A Confissão no Acordo de Não Persecução Penal e seus Reflexos em Outras Esferas
- mauricio bandarra
- 23 de set.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de set.

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal e introduzido pela Lei nº 13.964/2019, é um instrumento de justiça penal negocial criado para evitar a instauração da ação penal em determinadas situações. Para que o acordo seja firmado, exige-se que o investigado confesse formal e circunstanciadamente a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça, desde que a pena mínima do delito seja inferior a quatro anos.
Embora tenha sido concebido como um mecanismo de despenalização e racionalização da persecução penal, o ANPP apresenta uma controvérsia relevante: a exigência de confissão como requisito para sua homologação extrapola os limites da esfera criminal e pode gerar reflexos negativos em outras instâncias sancionatórias.
O problema constitucional da confissão obrigatória
A Constituição Federal garante a presunção de inocência (art. 5º, LVII) e o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII). Exigir que o investigado confesse formalmente para obter um benefício processual significa impor uma renúncia a direitos constitucionais, muitas vezes em um contexto de desequilíbrio de forças entre o Estado e o cidadão.Essa imposição contraria os princípios do Estado Democrático de Direito, pois transforma uma oportunidade de negociação em um mecanismo que enfraquece as garantias fundamentais.
Reflexos em outras esferas: um risco para servidores públicos
O ponto mais sensível é que a confissão no ANPP não se limita à esfera criminal. Mesmo que o cumprimento das condições leve à extinção da punibilidade, o conteúdo da confissão pode ser utilizado em procedimentos de outras naturezas, como:
Ações de improbidade administrativa, que podem acarretar perda da função pública, suspensão de direitos políticos e aplicação de multas;
Processos administrativos disciplinares (PADs), com risco de demissão ou cassação de aposentadoria;
Ações cíveis de indenização, que podem impor ao investigado o dever de reparar danos ao erário.
Nesses casos, o efeito prático da confissão pode ser mais gravoso do que a própria sanção criminal que se busca evitar. Para servidores públicos, a situação é ainda mais delicada: a perda do cargo ou da função pública pode ter consequências irreversíveis, superando em muito as penas restritivas previstas no acordo.
Independência e interdependência das esferas
O ordenamento jurídico brasileiro prevê uma certa independência entre as instâncias penal, cível e administrativa. O artigo 935 do Código Civil estabelece que “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato ou sobre quem seja o autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”.
Da mesma forma, o artigo 37, §4º, da Constituição Federal determina que os atos de improbidade administrativa geram consequências próprias, sem prejuízo da ação penal cabível. No entanto, essa independência não significa impermeabilidade: na prática, a confissão no ANPP pode atravessar fronteiras e ser valorada em outras esferas, ampliando os riscos para o investigado.
Considerações finais
O ANPP, ao exigir a confissão formal e circunstanciada como requisito para sua validade, expõe o investigado – especialmente o servidor público – a um risco que contraria a própria finalidade do instituto. Criado para evitar a ação penal e racionalizar a resposta estatal, o acordo pode acabar se transformando em um instrumento de agravamento da situação jurídica, tornando-se, em alguns cenários, mais desvantajoso do que a própria persecução criminal.
É fundamental repensar o modelo à luz da Constituição e dos princípios do Estado Democrático de Direito. A confissão não deveria ser considerada elemento essencial para a celebração do ANPP, pois sua exigência compromete garantias fundamentais e pode gerar reflexos desproporcionais em esferas alheias ao processo penal.
Nosso escritório reafirma seu compromisso com a defesa das prerrogativas dos servidores públicos e com a aplicação rigorosa de instrumentos negociais como o ANPP, sempre em conformidade com as garantias constitucionais e em defesa de uma justiça equilibrada e democrática.





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